Para a minha mãe
- Maria C Kaluza
- 18 de out. de 2022
- 3 min de leitura
Atualizado: 7 de dez. de 2022
Minha mãe, assim como muitas outras, foi educada para achar que a maternidade era o único caminho para a realização pessoal, cuidou da casa, do marido, da filha e da própria mãe até os seus últimos dias.

Ela teve muitas dificuldades para engravidar. Quando finalmente realizou o sonho da maternidade foi demitida, após voltar da licença maternidade. Passou então a se dedicar a família, por amor. O meu pai, um típico machista, não gostava do fato dela trabalhar fora (como se isso coubesse a ele) e achou que era uma ótima oportunidade (viva a típica família brasileira!)
Cresci vendo minha mãe ser oprimida, e violentada. Meu sonho era que ela se libertasse, que ela deixasse de ser “só” dona de casa e começasse a trabalhar. Sim, eu achava isso. Eu a julgava silenciosamente e por muitas vezes, na tentativa de achar a minha própria liberdade, eu a pressionava...
Cresci jurando que jamais exerceria aquele papel, jamais seria “só” uma dona de casa e ou largaria a carreira por causa dos filhos. Comecei a trabalhar aos 18 anos (privilégio de gente branca classe média), fiz faculdade, mestrado e iniciei um doutorado. Eu achava, que, com todos os privilégios que eu tinha, bastava a minha força de vontade para conseguir o meu lugar ao sol.

Só então me deparei com uma dura realidade que oprime, exclui e maltrata as mulheres mães. Ao me tornar mãe, eu me tornei persona non grata. Não só não terminei o doutorado, como ainda me culpei pela minha “incompetência”. Afinal a falta de licença maternidade, de um salário, de creche, de estabilidade emocional, além da privação de sono e do puerpério não tiveram nenhuma influência na “minha decisão” de não concluir o projeto.
Fui jogada na posição de mãezinha e me senti uma fracassada, estava repetindo, de algum modo, a história da minha mãe!
Só depois de viver a maternidade, eu consegui perceber que o problema não estava na minha mãe ou em mim, mas na estrutura da sociedade!
A minha mãe sofreu porque fomos e somos socializadas para a maternidade (compulsória ou não), para o cuidado, associando nossos esforços ao amor incondicional (e não humano) para com o outro.
A maternidade da forma como ela é incumbida no inconsciente coletivo, priva as mães do lugar do humano com limites, as culpabiliza por se sentirem exaustas e por se sentirem múltiplas... Uma mãe é em primeiro lugar uma mulher, que tem outras faces e desejos. Esse amor incondicional retira a maioria das mulheres dos espaços públicos, de poder e de debate, perpetuando o ciclo opressor.
Ao rotular o amor de mãe como a única e exclusiva válvula propulsora da maternidade, escondemos o esforço, as dificuldades e a nossa importância dentro da sociedade...
Enfim, fui injusta com a minha própria mãe e perpetuei por anos a invisibilização de seu trabalho e não tive a oportunidade de dizer isso a ela! Ela trabalhou mais do que todos nós, e permitiu que todos seguissem seus sonhos e objetivos. Ela me permitiu ser quem sou!
Hoje eu sou mãe de duas crianças incríveis e, apesar de amá-los da forma mais louca e intensa que eu já amei, cria-los é sim um trabalho de muita responsabilidade! Um trabalho que vem sendo exercido com muito amor e dedicação, mas que, para o meu bem e para o bem deles, eu vou dar espaço e voz as várias outras das minhas faces, porque só assim serei uma mãe plena e poderei oferecer a melhor versão de mim!
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